segunda-feira, janeiro 05, 2009

Exposiçao "Por Mares Nunca Dantes Navegados" - Universidade Moderna do Porto - 2004



O tema dos Descobrimentos Portugueses tem vindo a ser tratado ao longo da ainda curta, mas intensa, carreira artística do Vincent. A presente exposição intitulada “Por Mares Nunca Dantes Navegados” reúne obras datadas de 2001 a 2004, de várias técnicas e dimensões, que permitirão ao visitante observar, entre outras coisas, o percurso evolutivo do Vincent desde que começou a pintar até aos dias de hoje.

Esta exposição consiste numa ilustração, sui generis, do texto “Os Lusíadas”, do nosso muito querido e amado Luís Vaz de Camões, cujo nome é o título da obra que inaugura esta colecção de 19 quadros, obra essa, em que o maior poeta português surge posicionado de lado exibindo a pála no olho direito que perdeu em acidente ou combate, por terras do Norte de África, por 1549.



A viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia, com início em 1497, pelos navegadores portugueses Vasco da Gama, seu irmão Paulo da Gama, Nicolau Coelho e Gonçalo Nunes, é a epopeia dos Lusíadas, obra que Camões dedica, com grande pompa e aparato ao Rei de Portugal, o jovem Dom Sebastião, tragicamente desaparecido no célebre desastre de Alcácer Quibir, em 1578. Esta dedicatória é assinalada, nesta exposição, pelo segundo quadro, que retrata El-Rei Dom Sebastião montado a cavalo. O extraordinário desta obra é a forma como é conseguida a aparência do antigo, apresentando uma imagem quase imperceptível, como que apagada ou corroída pelo tempo.

O Poeta acompanha os feitos e peripécias dessa famosa viagem, e muito especialmente os fenómenos naturais, de elementos mitológicos greco-latinos, como mandavam as exigências do género épico. Assim, logo nos inícios do primeiro canto, estando já as nossas caravelas bem lançadas na costa africana, eis que os deuses do Olimpo se reúnem para decidir quanto ao destino das cousas futuras do Oriente. Reza Camões no seu Poema que, em tal discussão, muito por nós partido tomou Vénus, por se encontrar enamorada da alma lusitana. Foi, pois, com o auxílio da deusa do amor e da beleza, que a lenda diz ter sido criada a partir da espuma do mar, que os nossos navegadores puderam avançar ao longo de mares desconhecidos, vencendo correntes, tempestades e infortúnios.



O Vincent invoca a Deusa dos Descobrimentos em quatro obras, todas elas representando com clareza, mas também com subtileza, uma imagem feminina de formas sensuais, que surge, ora como que projectada pelo Sol nas águas marinhas, ora envolta em véus de espuma transparente. As embarcações dos nossos navegadores, surgem pacíficas, na obra, em tons de negro e azul, intitulada “Caravelas na Escuridão da Noite”, e ainda na composição “Nau Vermelha”. Os mares, com as suas correntezas, são personificados de forma simples, mas plena de autenticidade, no quadro “Oceanos”.





A nossa frota incluía, na sua tripulação, homens de variados e nobres ofícios. Foram escolhidos os melhores comandantes, requisitados os melhores pilotos, selecionados astrónomos, combatentes, diplomatas, homens do clero, intérpretes e muitos outros, que as exigências da viagem assim mandavam. Não nos esqueçamos, porém, do simples marinheiro ou soldado que, tal como Camões, serviu o Reino, por vezes a troco da liberdade de que algum infortúnio da vida o privara, com a força de quem, por tudo ter perdido, tudo de si mesmo entregava.

Tal viagem exigia algumas paragens obrigatórias, para reabastecimento de provisões e reparo da frota. Apesar de bons conhecedores, na época, da costa africana, o necessário entendimento com os nativos dessas paragens, de cultura, religião e tradições diferentes das nossas, nunca foi tarefa fácil e exigiu aos nossos navegadores cúmulos de diplomacia e riscos por vezes fatais. Além de tudo, uma das maiores missões do Reino consistia na evangelização desses povos, na expansão do cristianismo pelo mundo inteiro.



Na obra intitulada “África Minha”, uma das mais significativas desta mostra de pintura, surge, com surpreendente rigor, o mapa do continente africano representado a negro, lembrando os mapas e rotas que, com todo o empenho, se aprimoravam ao longo destas viagens.

O quadro, em tons de ocre e ouro, “A Crucificação”, onde figura finamente desenhado Cristo crucificado, invoca a evangelização portuguesa, assim como a fé e a confiança dos servidores do Reino no Filho de Deus na Terra, como provam as inúmeras vezes em que os nossos navegadores, no Poema, recorrem à Sua intervenção, nas aflições dessa epopeia.

Lembrando ainda os mapas existentes na altura, a obra “Mapa Hipotético” exibe um exuberante emaranhado de oceanos, lagos e continentes, mostrando bem quão longe estavam aqueles mapas dos que nós, na nossa época, possuimos.

Não se pode tratar o tema dos Descobrimentos sem citar com a devida pompa e circunstância as tempestades e os naufrágios, pesadelos de todos os que por esses mares navegaram, que ceifaram a vida de tantos portugueses, tendo por pouco sido o nosso Poeta um deles, quando na costa de Camboja, por 1560, junto à foz de Mecom, quase que se perdeu no mar, conseguindo, a muito custo, salvar a si e à sua obra, “Os Lusíadas”. Reza Camões que também Vasco da Gama e a sua frota esteve a pontos de se perder muito próximo do fim do seu itinerário. Essa tempestade, eloquentemente narrada pelo génio da literatura portuguesa, é acompanhada, nesta exposição, pelos quadros do Vincent “Tempestade”, “Nau Naufragada”, “Noite Escura” e “Relâmpados”.



Mas quis o Criador que a frota se salvasse, e que a seu bom porto chegasse, o navegador e a sua tripulação que, vislumbrando a prometida Índia, se prostraram com os joelhos no chão e as mãos aos céus, agradecendo a enorme graça recebida.

Vasco da Gama é retratado na obra “O Navegador e a Tromba Marítima”, onde surge à esquerda, em primeiro plano, tendo como pano de fundo, à direita, uma grande cascata, em alusão às ondas gigantescas, que a sua caravela, com éxito, torneou. A Índia surge no quadro “Um Novo Céu e Uma Nova Terra” envolta em brumas azuis e rosa, pois, segundo o nosso Poeta, foi de rosas que os cabelos enfeitaram as ninfas que, ao amanhecer; a tormenta, no mar, acalmaram.

Esta singular exposição inaugura, a 10 de Junho do ano de 2004, dia de Portugal, aniversário da morte de Camões, que morreu num hospital, em 1579, sem sequer possuir um lençol para se cobrir, pois de seu nada tinha, a não ser a missão cumprida, que é a maior riqueza que se pode levar desta vida.



Na Sacristia da Capela de Nossa Senhora das Dores e de São José, no Porto, esta exposição encerra com o quadro “Portugal”, onde o mapa do nosso país é pintado a azul e rosa triunfantes, lembrando a todos os portugueses que outrora este povo, por mares nunca dantes navegados, descobriu novas terras e novas gentes, dando assim novos mundos ao Mundo.

É, de facto, de espantar, que tamanha façanha tenha sido conseguida por tão pequeno país. De espantar é, igualmente, que o Vincent, criança de tenra idade, de nove anos apenas, além de tudo autista, possa assim pintar, cousas de tão graúda gente. Mas, o Criador tem destes caprichos… entregar grandes feitos a pequena gente!


Zélia Rocha

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